TRÍPTICO A CARVÃO E SANGUE
II – DESLEAIS
Umas moedas, não
muitas
Uma promessa de muitas
mais
Uma insígnia de outra
terra que tomei por minha
A mesma de onde vim a
esta que hei-de fazer minha também
Não preciso mais para
matar à queima-roupa
A mulher que cobre com
o corpo os filhos
O velho que recusa
cantar o hino do ditador.
Não preciso mais para
mentir aos meus
E servir aos outros.
Os outros pagam.
Os que finjo serem os
meus resistem ou morrem
Enquanto cantam a
eterna canção da liberdade.
Pátria, liberdade,
independência
Para mim são só
palavras
Nada me dizem, nada me
pagam.
Vim colonizar este
velho mundo
Onde nasceu a minha
mãe
Ela diz que a terra é
dela, para sempre
Aconteça o que
acontecer.
Eu digo que há-de ser
minha e de quem me paga.
Pagam-me para trair a
minha mãe.
É a traição que me
enche os bolsos
A traição e um ódio
qualquer que fui aprendendo
Repito o que me dizem
até ser essa a verdade.
De que lhe valeu a ela
livrar-se do Gulag e regressar a casa?
Mais vale vender a
alma ao diabo
E entrar nas suas
fileiras.
Trouxe comigo os
quatro Cavaleiros do Apocalipse
Cuspindo fogo, peste e
morte
Semeando a fome onde
antes havia abundância
E eu mesmo me fiz
cavaleiro também
O quinto, o milésimo,
o que se esgueira viscoso
Por entre o povo e os
indefectíveis
Sou o traidor, o
colaboracionista, o sem honra nem vergonha
Sou o riso escarninho
que muda de máscara a cada instante
Sou essencial nesta
trama de sangue e cinzas
Sem mim o ditador não
engana, não avança,
Não pode conquistar
esta terra mais antiga do que a minha
Não pode vergar os
incorruptíveis, os sempre fiéis
Mesmo que os quatro
cavaleiros lhe sejam sempre leais
Mesmo que os seus lhe
obedeçam sempre com a força da cegueira.
Não me arrependo
Não peço perdão
Nenhum rio de sangue
me desvia do intento
Golpe após golpe, até
todo o mal se consumar
Não tenho alma, não
tenho coração
Bate em mim o aço dos
ferozes sanguinários
Habita em mim o
deserto dos assassinos
Consciência? O que é
isso?
Onde vive tal
entidade?
Nunca me cruzei com
ela
Nem lhe perscrutei a
face
Que dizem sincera e
pura
Fiel aos que lhe são
fiéis
E idêntica a cada um
Que a transporta em
si.
As vidas que tiro
Os corpos que despedaço
As ruas que apago dos
mapas
São o meu prémio
Ainda mais do que o
dinheiro ou as medalhas.
A morte dos outros são
números no meu currículo
E sei que sou dos
melhores entre os traidores
Por isso me respeitam
os meus pares e os meus chefes
Eles sabem que pouco
mandariam sem mim
E sem os outros que
seguem o meu exemplo.
Só isso eu lembro de
mim mesmo
Tudo o resto que sou é
um novelo
Que não conheço nem
quero desenredar
Guardo-o no fundo de
um poço negro.
Às vezes, muito
poucas, penso se será a minha alma…
Pareço o mais
insignificante e banal dos populares
Passo despercebido,
passo incólume e insuspeito
Sou homem, sou mulher,
sou jovem e velho
Finjo com toda a
naturalidade
É um dom inato
Enganar, enganar
sempre
Mantenho a mentira bem
viva
Repito-a, cumpro-a dia
após dia
Até que muitos
acreditem
E me olhem com
confiança
E me deixem aproximar
até ao alcance do meu fel
Depois desfiro o golpe
súbito e certeiro
Quem terá feito isto?
Pergunto com horror
Semeio a raiva e
aponto o dedo
«Eles! foram eles!»
«Mas eles são dos
nossos,» dizem incrédulos
«Os nossos nunca
fariam isto.»
Está feito, rumo agora
à próxima vítima.
Também eu sou
insignificante
E quase invisível
Não dou nas vistas
O meu trabalho é ver
sem ser visto
Ganhar o apreço dos
que quero destruir
Nem sequer preciso de
uma arma
Outros disparam e
matam por mim
Eu só recolho
informação
Curvo as costas como
quem anda perdido
E pede ajuda, um copo
de água, uma maçã
Qualquer coisa serve
E como sou grato, tão
grato
Que nada me pode
denunciar.
Do lugar onde sei
estar a salvo
Ouço uma sucessão
infernal de explosões
Aguardo uns minutos e
olho o ecrã do telemóvel.
Foi em cheio, dizem-me
Se nos mandares mais
como esta
Ainda chegas a
general.
General? Eu, o
invisível zé-ninguém…
Pedem-me que minta e
eu minto
Porque é essa a minha
natureza e a minha missão
Mas general… que silvo
é este
Que agora desce sobre
a minha cabeça?
Não decido nada nem
quero decidir.
Decidir incomoda-me,
cansa-me
Pesa-me em lugares de
mim que não consigo aliviar
Obedeço simplesmente,
colaboro, cumpro exemplarmente
Tudo o que foi
decidido
Sem me desviar um
milímetro
Sem questionar uma
única gota de sangue.
Que corram os rios
vermelhos
Que corram sem me
levarem na enxurrada!
Não fui eu que lhes
rasguei a nascente.
Eu só apontei o dedo
E, com esse gesto
simples, derrubei o dique
Apenas alarguei o
leito de morte em que todos se deitam
Amigos, inimigos,
traidores, cobardes e heróis
Humanos e animais.
Se nada decido nem
escolho
Serei eu também um
cobarde?
Se sou tão obediente e
fiel
Serei eu também um
traidor?
Também eu me deitarei
Nesse leito corrente
de sangue?
Chamam-me bela,
chamam-me anjo
Chamam-me serpente
venenosa
Mãos de veludo, olhos
de Medusa
O meu papel é claro:
Atrair, seduzir,
eliminar.
Sei bem como fazê-lo
Faço-o como se nunca tivesse
feito outra coisa.
Numa tela de cinema,
seria simplesmente mulher e fatal
Seria a viúva negra, a
louva-a-deus insaciável
A pura açucena, o
lírio do vale, a rosa encantada.
Parece fácil o que
faço e é
Desde que nenhum olhar
me descubra o íntimo
E veja de súbito a
serpente que lá se esconde
Entre rochas floridas
e alvas peles de cordeiro.
Que posso dizer
De mim, da morte ao
meu lado
Só quero viver nem que
seja por mais um dia
Devora-me esta
fraqueza
Odeio a fera mas não
consigo enfrentá-la
Chamam-me cobarde
Os cobardes também
matam, dizem-me
E eu sei que têm razão
Os cobardes matam de
muitas maneiras
Basta fecharem os
olhos
Basta cruzarem os
braços
Basta desistirem de
ser
E a mim nem sequer me
pagam
Traio gratuitamente
com a minha fraqueza
De olhos fechados, de
braços cruzados
Deixo a fera entrar
Deixo os traidores
alargarem o covil
Na minha casa
Na minha própria casa.
Haverá vergonha maior!
Sei que não mereço
viver
Sei que não deveria
estar vivo
Traio os meus, traio a
Humanidade
Quando me traio a mim.
Estou por dentro
Vivo entre as feras,
os ignorantes e os escravos
Não me queixo, tenho
que comer
Nunca conheci as
grades da prisão
Nem as garras dos
vigilantes ou dos torturadores
Sou neutro, não me
pronuncio
Não contesto nem
protesto
Engulo a propaganda
diária em doses colossais
Regurgito um tanto mas
volto a engolir
Tenho de ser patriota
Apoiar o líder supremo
Não importa o que
penso
Não penso, não
escolho, não decido
Aceito mansamente e
acomodo-me.
Vozes vindas de longe
dizem que somos milhões
Que somos fracos e
apáticos
Que somos cúmplices e
traidores
Que somos inimigos de
todos, sobretudo de nós mesmos
Que a queda será
colectiva e irremissível
Que o grande covil em
que vivemos
Será a pira da nossa
arrogância e prepotência.
Mas eu não os ouço
Só estremeço um pouco
e volto a colar os olhos ao ecrã.
Inventei um deus à
medida do líder supremo
E da máquina assassina
que o sustenta.
Somos tantos os
ambiciosos
É tanta a nossa fome
de terra, de grandeza, de poder.
Como nem todos podemos
ocupar o trono do império
Somos obreiros da sua
invencibilidade
Com verdades forjadas
e novos mitos
Erguemos a fortaleza
maior
Para além da bomba
aniquiladora
Que seria sempre
insuficiente.
Esculpimos mentes,
recrutamos crentes
E eles crêem e
seguem-nos submissos
Obedecem sem dúvidas
Agem sem cálculo nem
hesitação.
O cálculo, a táctica e
a estratégia vêm de cima.
Deus e o líder são um
apenas
Os únicos que conhecem
toda a verdade
Os únicos que são
adorados quando matam
Quanto mais matam mais
adorados são.
Se um ou outro ousa
duvidar
Negar a divindade
deste deus e deste líder
Nem preciso erguer a
voz ou o olhar
Pois já lá vai no
negro féretro
Já se calou para
sempre a sua ousadia.
Abençoados são os
submissos, os pobres de espírito
Os servidores devotos
e generosos
Que não ousam nem
interrogam
Pois deles será a cova
que escavam
Entre a fortaleza e os
inimigos do império.
Traidor a deus, eu?
Qual deus?
O meu deus coroou-me
com uma auréola benfazeja de gratidão
Chama-me eleito, o
protegido, o que há-de purificar a face da Terra
O meu líder simula ser
meu servo ― oh, suprema glória!
O império já abriu
para mim uma página
No livro oculto desta
portentosa história!
Que me importa esta
terra
Não sou desta terra
Só quero possuí-la e
usá-la
Sou filho e neto de
outros iguais a mim
Viemos do centro do
mundo
Do império concebido
para tudo possuir.
Não preciso de ser
voluntário
É a força do império
que me manda
Que seja voluntário,
que seja o aço
A bala, a bomba, as
garras do império.
Sou parte desta grande
obra
Que faz jorrar sangue
e liberdade em toda a parte.
A verdadeira liberdade
é vermelha e cheira a sangue humano
A verdadeira liberdade
tem uma só voz, uma só língua, um só hino
A verdadeira liberdade
indica o caminho, um único caminho
Onde não há
encruzilhadas nem veredas nem atalhos.
As encruzilhadas são
sempre perigosas
Obrigam a escolher, a
ver para lá do caminho.
Que cansaço e que
inutilidade!
Não há outro caminho.
Eu nunca conheci nem
tive outro caminho
Por isso, é-me tão
fácil e leve o trabalho de servir.
Repito a verdade que
construiu o império: a única.
Mutável e única,
adapta-se a todos os tempos, povos e lugares.
A verdade deles é um
frágil cristal alado
A nossa é uma hidra de
lâminas de aço
Que nenhum Hércules
pode abater.
Também eu sou uma
serpente da hidra comum e colossal
Quem poderá
compreender a força magnética do elo
Que une todos os
corpos que compõem o grande mal?
Sem vacilar, repito e
executo a verdade:
«Viemos libertar-vos
das vossas casas, dos vossos campos
Da vossa língua, do
vosso patriotismo, da vossa vida
Um dia também sereis
livres
No seio do império
paternal.
Sabeis que não há
alternativa ao império.
Se não aceitais esta
generosa dádiva sereis mortos.
No seio do império não
pode haver ervas daninhas
Nem girassóis nem
hinos nem vozes que dizem não.
Sede vós também
voluntários e servidores!
Para quê resistir?
Sabeis que não há
alternativa
Excepto o inferno e o
fim.
Para quê seguir o
canto fúnebre do Grande Satã
Se podes abrigar-te no
seio do Grande Pai
Por quem podes morrer
gloriosamente como mártir
E viver eternamente
num céu imperial, só nosso?
Toma a cartilha e lê e
repete
Ajoelha-te e ora ao
poder supremo
Canta o hino do
império
Venera o grande líder
E viverás para sempre.
Volta as costas,
resiste, luta
E será o teu fim
O fim de todos vós.»
Tenho um grão de poder
e vivo em êxtase
Que belo é o ofício de
matar!
Somos todos
voluntários
Somos todos
selecionados, filtrados, reeducados
Somos todos
convictamente amorais
Somos todos escolhidos
segundo um padrão
Em que se cruza a
total frieza com a total devoção
Somos todos o exemplo
do supremo zelo
Sem falhas, sem nuances, sem idiossincrasias.
Não temos nome, morada
ou identidade
Não temos nenhuma
obrigação pessoal
Toda a nossa vida se
resume ao cumprimento da missão.
Somos mais do que
parecemos
Estamos em toda a
parte
Não nos vêem nem
querem ver-nos
Mesmo que lhes levemos
de casa o filho
Um livro escondido,
uma fotografia rasgada
Um caderno de desenhos
e apontamentos.
Alguns suspeitam da
nossa existência
Da nossa presença
dentro das suas mentes
Na sombra que caminha
atrás inaudível.
Estugam o passo e
prosseguem
Com um nó na garganta
e um arrepio na espinha
E com esse medo
latente se entregam ainda mais à submissão
Meneiam a cabeça,
erguem a bandeira
Dão vivas ao ditador.
Oh, o medo, essa
maravilhosa ferramenta
Com que se domesticam
humanos e outros animais
Poupa-nos tanto
esforço, tantos contratempos
Tantas mudanças de
direcção no plano traçado.
O medo tira-lhes tudo
o que são, a alma e o querer
Como é fácil ser
pastor de tal rebanho!
Estamos em todo o lado
Conhecemos do mesmo
modo
Um, um milhão, um
bilião.
Somos invisíveis por
definição
Estamos sempre lá
mesmo quando não estamos
Somos fantasmas na
casa e na mente de cada um
Entramos sem pedir
licença
Saímos com a chave na
mão.
Atrás deixamos uma
ausência de rasto
Uma esfinge, um enigma
A que nenhum peregrino
saberá responder.
Serviços de Operações
Especiais!?
Não, somos apenas
especialmente assertivos e convincentes
Apenas nos
especializámos nas técnicas de persuasão
Palavra que
estranhamente rima com privação, cessação, execução
Três acções que
executamos sempre com especial rigor e precisão.
Serviços Secretos de
Informação!?
Não, somos apenas
funcionários da absoluta transparência
Segredos são nocivos
ao comum cidadão
Ninguém deve tê-los,
são uma doença
Um vírus que urge
eliminar.
Reservamos para nós
todos os segredos
Nós que sabemos
forjá-los, codificá-los e descodificá-los.
Informação, que
palavra estranha!
Informação é o que
resta da realidade
Quando o filtro da
nossa verdade é aplicado.
Tende fé, cidadãos
cordatos e patriotas,
Connosco estareis
sempre informados
Connosco estareis
sempre seguros
Sempre calados, sempre
cegos e mansos
Sem dores, desejos ou
insatisfações desnecessárias.
O estado perfeito num
Estado perfeito!
Temos profetas,
filósofos, juízes, ministros e generais
Cientistas,
astronautas, ilusionistas, funâmbulos
Bailarinos, comedores
de fogo, sopranos e barítonos
Toda a espécie de
artistas, idólatras e iconoclastas
Sonâmbulos, fantasmas
e cabeças falantes
Milhões de servos,
servidores e escravos
Todos alinhados,
obedientes, zelosos e leais.
É este o guião e o
farol:
Ou segues a lei e o
rumo ou perdes o Norte
E tudo o resto.
Por quê perder se
podes ganhar
Produzir, pertencer,
diluir-te no corpo colectivo
E perdurar nos átomos
da grande obra?
Temos vastos
territórios conquistados
Anexados, submetidos,
devidamente russificados.
A nossa utopia é uma
máquina perfeita
Alimenta-se a si
mesma:
Quantas mais peças a
compõem, mais poderosa
Quanto mais poderosa,
mais insaciável.
Um maravilhoso círculo
vicioso
Regulado pela
autofagia e pelo constante aperfeiçoamento.
O que importa é o
número dos que obedecem
Aos poucos que
ordenam.
É imperioso que sejam
poucos, inflexíveis, invencíveis
Um núcleo indefectível
em torno do sumo-autocrata.
A fome da máquina
satisfaz-se com a conquista sistemática
Ontem, hoje e amanhã,
pelo fogo, pela palavra, pela suprema verdade
Da superfície das
montanhas aos subterrâneos da alma
Ganha novo vigor com a
eliminação dos inimigos do povo
Cordeiros tresmalhados,
Spartacus, Sansão e David
Pugachev, Soljenitsin,
Sakharov
Que lançamos com
gélido rigor na pira do deus-império.
Livres espíritos
teimosos e cegos
Que teimam em não ver
que não há outra via, outra vida
Outra liberdade, outro
caminho para a felicidade colectiva.
Esta é a solução final
e igualitária
Contra o caos
demoníaco da diversidade
E as infinitas
criações de Babel!
Nós somos os profetas
do mundo que não há
Lá fora, para lá das
nossas sagradas e vorazes fronteiras
Mas é e será para
sempre, o império, o destino, o devir
Porque esta é a pan-utopia
perfeita.
Só tens de aprender a
verdade e cumpri-la todos os dias:
«A guerra é a paz
A ignorância é
conhecimento
A mentira é a única
verdade!»
Repete, repete
incansavelmente até seres leal
Até seres nada, imaculada
tábua rasa
Receptáculo puro vazio
de desejos
Generosamente,
voluntariamente
Deixa-te dissolver nas
maravilhas da máquina
E serás eternamente
útil e feliz!
Há um lugar para ti,
para todos os leais
Nas infinitas
repartições da máquina
Mantém-te vigilante e
atento
Vigia-te a ti mesmo, aos
teus desejos e pensamentos
À tua família,
vizinhos, camaradas.
Mesmo tu, sim tu que
te dizes talentoso e criativo
Olha o que temos para
ti!
Seduz, maravilha e
molda com os teus dotes:
Propaganda, multi-informação,
arte rigorosa e magnética
Imagens e palavras que
não os deixem desviar os olhos do ecrã
Que não lhes permitam
imaginar ou desejar
Mais do que o que vêem
e ouvem.
Diz-me se não é este
um mundo de infindáveis maravilhas!
Não é este o melhor
dos mundos possíveis?
E também tu que te
julgas rebelde e indomável
Pois sê rebelde e
indomável à nossa maneira
E descobre o prazer de
domesticar e amordaçar.
Com esforço e
dedicação absoluta
Poderás até vir a ser
um Ministro da Verdade
Como aquele que o vate
Orwell vislumbrou (Orwell, 1984)
Quem sabe? Só saberás
se te dedicares.
Todo o fanatismo é
útil, basta saber moldá-lo.
Dizem os fracos que o
colectivo pode levar séculos a moldar.
Quão enganados estão!
Deixámo-los acreditar
Foi assim que lhes
roubámos metade do mundo!
Orwell nada inventou
de novo: observou o nosso labor
Os nossos métodos, o
nosso desprezo pelo individuo
(A quem chamam
“pessoa”, como se fosse uma divindade;
Só nós somos
“pessoas”, só nós somos divinos.)
O nosso desprezo pelos
interstícios da mente e os caprichos da alma
Pelas vidas
singulares, pela identidade não controlada
Essa ameaça viral,
essa pandemia que eles propagam.
Fomos nós que criámos
o poder supremo, intemporal
E unificámos o mundo
com uma única ideologia.
Se fores deveras
dedicado, quem sabe,
Talvez até possas vir
a ser um Ministro do Plano Totalitário
Aquele que trabalha na
intimidade do gabinete do líder supremo
Conjuntamente com os Ministros
da Informação, da Verdade e das Forças do Aço
Sempre abençoados pelo
patriarca do deus criado à nossa imagem.
Já imaginaste maior
honra, maior glória
Do que decidir sobre
as vidas e o desenho global do mundo?
Nunca te interrogues
sobre o que fazes
O teu trabalho é
perfeito num mundo perfeito.
Nunca respondas às
perguntas dos inimigos
Senão com outras
perguntas
Ou hipóteses que
servem os nossos fins.
O nosso guião de fundo
é a história revista e adaptada
O mito fecundo, a
utopia realizada pela força e pela ilusão.
Quando te perguntarem:
Quando sucederá a
liberdade a 400 anos de escravidão?
Pergunta-lhes de volta:
Como pode a liberdade
suceder à liberdade?
Como pode a perfeição
suceder à perfeição?
Quando sucederá o caos
absoluto a 100 anos de liberdade imperfeita?
Por que não aceitais
vós a liberdade eterna
Disciplinada, estável,
unilateralmente regulada?
E assim terás
respondido sem responder
Estarás a salvo de factos,
argumentos e contradições
Terás inquietado e
mostrado as infinitas possibilidades da dialéctica
Que só nós sabemos
conduzir e controlar
Da tese à síntese
final
Sem necessidade alguma
de antíteses.
Foi assim que eles se
perderam
Navegando na sua
incomensurável liberdade de pensamento.
Esse é um mar
tempestuoso em que o nosso seguro pensamento
Axiomático, uno e totalitário
nunca naufragará.
O futuro será igual ao
passado.
Para além de todas as
mudanças particulares à superfície
A estrutura profunda perdura
e consolida-se
Assente nos mesmos
pressupostos e nas mesmas finalidades.
Ah, se tu pudesses
vislumbrar a beleza desta Galateia
A labiríntica
perfeição do cérebro deste Pigmalião!
A perfeição é uma estátua
pétrea que resiste
A toda a erosão do
tempo
A todas as dúvidas e
anseios da humanidade!
O nosso presente
unifica os tempos e torna-se eterno.
A nossa revolução é
permanente porque é imutável.
A nossa imaginação é
poder porque emana do poder.
A nossa diversidade é
uma taxonomia completa e definitiva.
O microcosmos reflecte
rigorosamente o macrocosmos.
Que viva sempre a
verdade unívoca e pluri-unívoca!
A só pode ser A
A pode ser B
B pode ser C
Etc.
Logo A, B, C, etc. só
podem ser A.
É esta a síntese final
É esta a finalidade de
toda a nossa filosofia:
Qualquer possibilidade
existe e é admissível
Desde que esteja
contida na primeira e única premissa.
Ainda não estás
convencido?
Pensas porventura que não
haverá lugar para ti
Neste laborioso vespeiro
Neste profícuo ninho
de víboras?
Enganas-te
completamente!
É extenso o rol dos
ofícios
No seio do império e
pelo mundo fora.
Se queres partir,
viajar, explorar os labirintos do caos
Conhecer as praças, os
cubículos, os palcos e os ecrãs
Do Grande Satã ― Oh, e como te parecerão apetecíveis! ―
Parte então, instala-te, acomoda-te,
infiltra-te
Em cada fresta das metrópoles, dos lobbies, das organizações
Das infindáveis instituições e
antecâmaras do poder.
Serás surpreendido pela facilidade com
que podes fazê-lo!
Eles têm estranhas leis cheias de
direitos, liberdades plurais e garantias
Que tu podes evocar para teu e nosso
benefício
Para te afirmares, para te defenderes,
para seres por direito
Um rebelde, um libertário, um
altruísta,
Um filantropo, um sabotador, um
infiltrado
Um admirável operário anti-sistema
– E como eles abominam o sistema!
Não tanto o nosso, mas sobretudo o deles.
Suicidas, pobres suicidas! ―
Começa por ser cordato, benévolo,
polido nas maneiras
Afirma com humildade convicta a nossa
razão e superioridade
Enriquece de qualquer forma, há muitas
formas
Se for necessário, trabalha, mas no
lugar certo
Ganha o respeito e a confiança das
pessoas certas.
Usa o silêncio e as potencialidades
das miragens
Ou então usa o dom da palavra e da retórica
Com entusiasmo e desinteressadamente
Com ingenuidade e persistência
Com curiosidade e apoiado em certas
autoridades
Que nos apoiam com uma devoção
idêntica à nossa.
Eles têm académicos venerados que
vociferam com feroz persistência
Contra o seu próprio mundo.
Ouve os críticos, os descontentes, os
alinhados e desalinhados
Os comprometidos, os inflamados, os
fanáticos
Os neutros, os independentes, os
permeáveis.
Ouve-os humildemente, anuindo,
interrogando
Primeiro docemente, depois com
determinação e indignação
― Para eles, o direito à indignação é
sagrado! ―
Bastará essa indignação para que
muitos de entre eles
Se tornem teus aliados, protectores e
até apologistas.
Desfere o primeiro golpe mas deixa-os
continuar
Como a fera cercando pacientemente a
presa.
Sempre que te for possível
Semeia a dúvida e a discórdia nos
lugares e momentos certos.
Finalmente age, sem dó nem piedade!
Quando acordarem, será tarde demais.
Nós já estaremos lá
Em todos os lugares.
Virá então a suspeição, o medo e as
interrogações:
“Que fizemos nós de errado?
Errámos certamente!
Somos nós os culpados!
Não fomos suficientemente tolerantes
Não cedemos o suficiente!”
Ah, que prazer ver e ouvir tais
lamúrias
Ah, como nos são úteis os seus
sentimentos de culpa
Como nos facilitam a velha retórica:
Nós somos sempre as vítimas
Inocentes por definição e estratégia!
Eles são sempre os culpados
Os agressores imperialistas
Não importa o que façam ou não façam.
E quando alguns se atreverem a acordar
E a questionar o que sempre aceitaram e
defenderam
Com a sua inelutável propensão para a
autocrítica
Será tarde demais.
Lá no fundo, eles sabem
Que não existem
esconderijos seguros
A bala, o veneno, o acidente
inexplicável
A síndrome de Havana
A carta armadilhada
Podem chegar em qualquer momento.
A história meticulosamente preparada
Para invadir, conquistar, anexar
Justifica plenamente todas as nossas
acções.
E assim, sem grande esforço,
Penetrarás convincentemente nos
alicerces de Babel.
Temos todos os ingredientes e
ferramentas
Somos inventivos mestres da
dissimulação
Da efabulação, do mito, do fingimento.
A oportunidade não surge, é
construída.
Somos nós quem forja as circunstâncias
Os factos, os pretextos, os
argumentos.
Não temos óbices morais que nos
detenham
Por isso são infindáveis os ofícios
que temos
Para ti, para todos vós.
Temos especialistas em lealdade e
servilismo:
(Uma combinação perfeita que molda o
carácter
Dos fiéis, dos indefectíveis
servidores)
São eles que concebem e estabelecem os
padrões
As competências e as potencialidades
dos servidores.
As probabilidades de passares no
diagnóstico são elevadas.
Vê só quantos somos!
Ainda mais do que esperávamos.
Não vaciles! Escuta apenas a verdade!
Dizem-te os inimigos do povo que lealdade
e servilismo são incompatíveis?!
Que sabem eles sobre a arte de
construir impérios?
Os deles ruíram todos.
O nosso expande-se de infinitos modos.
Vê como é exímio e convincente
Aquele que finge ser dissidente e crítico!
Sim, aquele que finge,
Porque os autênticos
são uma espécie muito rara
Estão quase todos
presos ou mortos.
Sabem que não os
toleramos, aos discordantes
Por isso eles os
recebem de braços abertos
Acomodam-nos nas suas
casas
Comovem-se
profundamente
Com os seus queixumes
melífluos
Com as suas pungentes lágrimas
de crocodilo.
Revelam-lhes segredos
Servem-nos, a nós,
através deles.
Aposta nos bons
sentimentos
É sempre eficaz.
Vê como comove o
refugiado, o exilado político
Como baixam a guarda e
cedem tão facilmente.
Não há liberdade e
garantia que não lhes seja dada de imediato.
Usa os teus dotes de
actor, sem restrições morais
E finge também ser
refugiado ou exilado.
Assim, receberás duas
recompensas:
A deles e a nossa.
No nosso mundo, no
nosso jogo, no nosso código de honra
Ao serviço do regime e
do império
“O fingimento é mesmo
a suprema verdade”
Fingir compensa, não
tenhas dúvidas!
Podes, porém, ser o
exilado voluntário que vive no conforto
Um empresário de
sucesso, um investidor, um traficante da bolsa
Um engenheiro da fuga ao
fisco e da lavagem de capitais
Um proprietário de
clubes de futebol, mansões, jactos e iates
Um explorador de
paraísos, ilhas e arquipélagos financeiros
Enfim, uma sanguessuga
do vasto sangue capitalista.
Não te apetece, não te
desperta os sentidos?
Aproveita! É mais
fácil do que pensas!
A gula pelo dinheiro e
pela matéria
É das poucas coisas
que temos em comum.
No entanto, sê
cauteloso!
Eles criaram entidades
fiscalizadoras
Que, às vezes,
fiscalizam de facto.
Se for necessário,
suborna, corrompe
Dá e recebe as luvas
mais cintilantes
E nada será descoberto
ou julgado.
Fazes uma pausa, um
chá de caridade
Depois, continuas a
colheita e a pilhagem.
Se funciona? Clara que
funciona
Cá dentro e lá
fora!
Ah, compreendo!
Tens um temperamento
mais benévolo
Resta em ti a
reminiscência de uma bondade arquetípica
Que nunca conheceste
nem praticaste deveras
Mas gostas de fazer de
conta
De vestir a pele do
benemérito
Que recebe aplausos e
altas individualidades
Gostas de receber a
gratidão dos que finges auxiliar.
Sim, é um artifício,
eu sei
Mas não há ninguém que
não aprove um filantropo.
Podes mesmo fundar associações
de beneficência e filantropia
Ou financiar alguma
das muitas que eles têm.
É um modo eficaz de
fazer circular o capital
Simular o mecenato e
evitar o fisco.
Podes ir ainda mais
além:
Comprar ou financiar a
arte, os artistas, os escritores,
Os académicos, os
opinadores, os críticos, os jornalistas
E sobretudo os meios
de comunicação onde desfilam todos
E são vistos e ouvidos
por todos.
Formar a opinião
pública, não tenhas dúvidas,
É uma das mais
eficazes formas de conquistar e exercer o poder.
Eles fazem-no de um
modo caótico e aleatório
Como se caminhassem
sempre em cem direcções diferentes
Nós fazêmo-lo de um
modo organizado
Mesmo quando parece caótico
e mutável.
O estilo e os
argumentos são de facto mutáveis
Porque nós somos de
facto muito adaptáveis
Mas não caóticos nem
aleatórios.
Nós moldamos as
estruturas do acaso
Segundo leis e
mecanismos que permitem
Obter o mesmo fim de
infinitas maneiras.
Ninguém consegue
simular melhor a liberdade
De pensamento, de
expressão, de acção
Do que um fanático, um
anarquista ou um altruísta.
Nós somos pródigos
nessas qualidades
Apenas lhes damos
outros nomes e temos outras motivações:
O fanatismo é a extrema
dedicação e lealdade
A anarquia é uma forma
de pragmatismo
O altruísmo é
abdicação e sacrifício calculado.
Ocupa paulatinamente
todos os recantos
Todos os púlpitos,
cátedras e ecrãs.
Aqui és uma enguia
eléctrica
Ali és uma cortina
diáfana
Além és o zumbido do
enxame que se aproxima.
Sê omnipresente e
omnisciente
Confunde-os com a
mistura certa
De visibilidade e
invisibilidade
De assertividade e
total tolerância.
Usa as técnicas do
eco, do ricochete e do espelho:
Todos os factos devem
ser transformados em contra-factos
As acusações devem
tornar-se em contra-acusações.
Se alguém suspeitar
que és quem realmente és
Se te chamarem stakhtyite (destruidor), fanático,
infiltrado
Retribui na mesma
medida
Contra-acusa-os com a
máxima indignação:
São eles os agentes do
império, os servos do autocrata
Os lavadores de
cérebros, os torturadores e assassinos.
Questiona as
concepções maniqueístas do mundo
Que nós próprios
cimentámos solidamente
(Bem sabes que nós
somos o único bem):
Não existe bem nem mal
Apenas zonas
cinzentas.
Relativiza sempre
porque tudo é relativo
Excepto o império e a
suprema verdade.
Com método, podes penetrar
lenta e subrepticiamente
Naquelas mentes
iluminadas e dispersas
Com jogos de espelhos
e miragens
Com a mais benévola e
justa propaganda do regime.
Nós os injustiçados,
nós as eternas vítimas
Do Grande Satã e do
Ocidente Colectivo
Redimidos com
apologias e simpatias dos seus próprios diabretes!
O espectáculo perfeito!
A comédia trágica de
que eles desconhecem o desenlace!
Se tiveres paciência e
fores suficientemente perseverante
Conhecerás o
desenlace.
Mas tem cautela
Não exageres nem na
inocência nem na culpa.
É que, ao contrário de
nós,
Que somos extremamente
adaptáveis,
Eles são extremamente
imprevisíveis…
Não caias na cilada:
Adaptabilidade e
imprevisibilidade não são a mesma coisa.
A imprevisibilidade
deles é movida pela soberana liberdade
A nossa
imprevisibilidade só é imprevisível para eles
A nossa adaptabilidade
é regulada pelas necessidades do império
O centro do universo.
Serve-te prodigamente
das causas deles
(Eles dizem que são de
todos, causas comuns e decisivas
Admite que sim e segue
a onda.)
Alterações climáticas,
o apocalipse global?
Sim, claro, por que
não?
Deixa-os esquecer a
(nossa) ameaça nuclear
A nossa invasão das terras
soberanas
E das mentes crédulas.
Mostra-lhes antes as
grandes secas, as tempestades,
Os incêndios, as
inundações, as espécies extintas.
Serás um activista
consciencioso em defesa do planeta
Em defesa da
humanidade, da vida, do futuro.
Seguir-te-ão até ao
céu ou até ao inferno.
Ninguém suspeitará das
tuas motivações
Porque tens razão, uma
razão evidente.
Mas essa razão pouco
nos importa
Nunca te esqueças
disso!
Nenhuma causa te deve
impedir de defender as nossas causas:
O nosso maravilhoso
gás que alimenta a refém rica Europa
O nosso excelente
petróleo que move os nossos aliados potenciais e de facto
Os nossos cereais e
fertilizantes que mantêm dependentes os fracos e pobres.
Ignora-os se te
falarem do que pilhámos à Ucrânia
Como se fosse uma
fantasia, uma cabala, uma absurda teoria da conspiração.
E como podes fazê-lo
sem que seja descoberta a contradição
Entre a causa, a acção
e as evidências materiais?
Fácil! Finge, finge
sempre!
Quando dizes a verdade
e quando mentes.
Nós somos os mestres
da farsa e da mentira
Os fundadores da
manipulação colectiva
Da chantagem latente e
da guerra híbrida.
Que seria da Europa
sem a nossa energia?
Antes do inverno
nuclear
Ameaça que se deve
manter sempre iminente
Virá o inverno, a
gélida morte, tempestades de descontentamento.
Ao mesmo tempo
insurge-te contra os nossos combustíveis fósseis
Defende a necessidade
de lhes pôr um fim até pelos meios mais violentos.
Fazer explodir os
gasodutos do Mar do Norte?!
Sim! É um acto típico
de ambientalistas conscienciosos.
Nós tratamos do
assunto e liquidamos a Europa
Sem apelo, sem agravo,
sem resgate
Enquanto podemos
legitimamente acusar a Ucrânia e o Ocidente!
Compreendes a táctica
e a estratégia?
Todos os meios
justificam os fins!
Abençoado Maquiavel
que abriu caminho ao Leviatã!
Depois escrevemos na
“Essência do Tempo” a versão perfeita
Para apaziguar e
acender o espírito dos nossos fiéis cidadãos:
Uma raiva maior pelos
nossos inimigos
Um amor infinito pelo
nosso líder e invencível império!
Mesmo os que perderam
algum fulgor voltarão a clamar:
«Marchemos todos
juntos sobre Washington, Londres, Bruxelas
O covil do Grande
Satã!»
«Soltem a bomba,
reduzam o mundo a cinzas»
Pois como diz o grande
líder:
«De que nos serve um
mundo sem a Rússia,
Uma Rússia que domina o
mundo?!»
Um mundo sem a
supremacia do nosso império
Não merece existir.
Não temas a
radicalidade da asserção
Não temas a visão do
apocalipse
Pois nela repousa a
essência da nossa verdade.
O Grande Pai Estaline,
esse meticuloso profeta burocrata,
Esse mestre da
semântica e do antónimo
Esse persistente e
perfecionista “dramaturgo do terror”
Sabia do que falava e
o que planeava:
“O mundo inteiro será
nosso!”
Se fores descoberto,
confessa
Mostra-te arrependido
e cooperante
Alega ingenuidade,
desinformação,
Total lavagem ao
cérebro
Fornece todas as
informações que te solicitarem
Todas obviamente
falsas
Iscos preciosos,
armadilhas douradas
Que transformam todas
as derrotas em vitórias.
Em alternativa, podes
negar tudo
Contar apenas a versão
C.
Nesse caso, terás de
memorizar tudo
Para evitares entrar
em contradições.
A coerência na mentira
pode facilitar-te a vida.
Ainda assim, coloca sempre
a hipótese de seres sujeito a tortura.
Se a situação te
parecer um beco sem saída e a dor insuportável
Lembra-te da
responsabilidade que pesa sobre os teus ombros
Não esqueças que o
império te exige todos os sacrifícios.
Só o sacrifício total
mostra a tua verdadeira lealdade
E sabes que não há
alternativa à lealdade.
Por muito
surpreendente que possa parecer-te
Aqueles de entre eles
que escolheram servir-nos
São os mais dedicados
e leais
Podes encontrá-los em
todos os locais do mundo.
Entre nós,
recebêmo-los como príncipes
Em Moscovo, S.
Petersburgo, no Clube Valdai e nos nossos ecrãs:
Snowden, Mearsheimer, Stone, Sheer, Phillips, Lancaster, Ritter…
Uma plêiade
extremamente útil
Fiéis entre os fiéis!
Não temos limites para
a nossa lealdade
Entre nós não há
traidores
Os que há estão todos
entre eles
Moram nas mesmas ruas
e casas
Trabalham nos mesmos
escritórios
Palcos, redacções ou
estaleiros
Mas trabalham para
nós.
Com os métodos certos
Um indivíduo pode
mudar com alguma facilidade.
Os melhores são
majestosamente remunerados
Ocupam cargos invejáveis
e lucrativos
Como exemplo e
incentivo para outros.
A norma geral é
simples, aquém e além-fronteiras:
Se queres viver e ser
promovido, serve com toda a lealdade!
Olha para eles, como
nos são leais!
Como nunca foram a si
próprios!
Adoramos essa espécie
tão útil e descartável.
Ao mínimo deslize
tornam-se dispensáveis para nós.
Antes que se lembrem
de mudar de campo
São meticulosamente
eliminados.
Mas não temas, não
será o teu caso
Sabemos que és e serás
sempre leal!
De qualquer forma
Que outra alternativa
poderia haver?
Epílogo
Roma não pagava a
traidores, diziam os imperadores
Mas a Rússia paga,
dizem os escravos do ditador
Paga melhor aos
traidores do que aos insignificantes recrutas
Escanzelados, alcoolizados,
ignorantes, russificados
Vêm de lugares que a
Rússia sempre oprimiu e esqueceu
Lembra-se deles quando
precisa de uma muralha humana
Eles caem, um a um,
desfaz-se a muralha
Ficam os farrapos do
império que só soube semear a morte.
O que seria da Rússia
sem os traidores?
São Ludovino,
11/6/2022
Azovstal defenders by Dmytro 'Orest' Kozatskyi.
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