* NO INÍCIO, ERA O VERBO...

NO INÍCIO, ERA O VERBO...

APRENDIZ UNIVERSAL (o site original)

     O site original iniciava-se com uma advertência que já não é inteiramente verdadeira, pois a Google descontinuou os sites clássicos, impedindo a continuação da edição e, eventualmente, a própria visualização. Era esta a advertência: «Este site atingiu a sua capacidade de armazenamento. Continua no novo site O UNIVERSO DO APRENDIZ. Ambos os sites continuarão activos.» Na verdade, nem sei se continuarão visíveis.

AQUI MORA O APRENDIZ
NUM DOS MIL RECANTOS DO UNIVERSO

Magic Spring by ©Michael Parkes.

O Longo Aforismo

As coisas quase nunca parecem o que são...

Há quem aprenda a obedecer
e da obediência faça o seu destino
e pareça sempre leal;
e há cães que aprendem a voltar a casa
e voltam sempre,
e outros que voltam sempre
sem nunca terem aprendido;
e tanto uns como outros
parecem igualmente leais.

E há quem beije uma fotografia todas as noites
ou a guarde durante quarenta anos
no meio de um livro
e nunca a mostre a ninguém
e negue a sua realidade se alguém a encontrar;
e há quem morda um corpo todas as noites
e não saiba adormecer sem lhe tocar;
e há quem procure um corpo
num corpo diferente
a cada instante.
E tudo isto parece ser simplesmente
a mesma coisa ― Amor ― .

E há quem se sente em lótus num templo de Buda;
e quem se ajoelhe numa catedral grandiosa,
onde Cristo permanece calado no seu eterno crucifixo,
e pense comer o seu corpo branco;
e quem navegue por rios vermelhos a caminho de Meca,
porque antes de se aconchegar no harém das virgens
tem de beijar a Caaba para ser puro
ou o senhor do império de Alá na Terra;
e quem se lamente e implore junto ao mesmo muro,
que chora há mais de dois mil anos,
na cidade de todos os sonhos e todos os martírios,
não sabendo onde começa Sião e acaba Babel,
sem saber se esse é o dia em que não voltará vivo a casa.
E todos parecem fazer o que fazem
pela mesma razão ― Deus ― .

Contudo, as coisas quase nunca são o que parecem...

Suy / São Ludovino (21/2/1987)
(SUY é o meu pseudónimo desde 1977)


©Henri Cartier-Bresson, Sleeping Woman, 1930-40. 

©Houssen Soufan, I say more - The just woman cry, 2009.


ANIMA
Junto ao Templo de Atenas

Pensar em partir para a Abissínia
vai levar-me a misturar na mesma imensa alucinação
melopeias e melissa.

Não voltarei a adormecer em torres de menagem.
Ontem fitei durante toda a noite Cassiopeia;
pareceu-me mover-se para Oriente,
mas talvez fosse apenas por eu atribuir ao Sol nascente
uma alma quase gémea do Sul.

Gémea foi uma das que eu fui
da ardente Melusina
que se serenava em prata e azul
nos crepúsculos rochosos das escarpas.
Foi aí que a Grécia misturou o sabor do mar
à paixão,
à transcendência,
à comunhão e temor cósmicos,
ao mistério de partilhar a consciência de ser.

Outrora me consagrei às águas numa tragédia;
era Primavera e eu contemplava o Outono eterno.
Era o último sonho nas escadarias do Templo de Atenas.

Olho-te sempre e ainda.
Não terás tempo de me chamar;
sou já somente um reflexo da água na tua fronte...

Suy / São Ludovino (14/1/1986)


L' Art et la Littérature,
William-Adolphe Bouguereau, 1825-1905.

William BlakeIsaac Newton, 1795 

MEMORY, HITHER COME

Memory, hither come

            And tune your merry notes;
And while upon the wind
            Your music floats,
I'll pore upon the stream,
Where sighing lovers dream,
And fish for fancies as they pass
Within the watery glass.

I'll drink of the clear stream,

            And hear the linnet's song,
And there I'll lie and dream
            The day along;
And when night comes I'll go
To places fit for woe,
Walking along the darkened valley,
With silent melancholy.

William Blake (1757-1827) from The Seven Songs

Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), Viagem à Toscânia
por Johann Heinrich Wilhelm Tischbein (1751-1829), 1788 


Anelo                                                              

Só aos sábios o reveles

Pois o vulgo zomba logo:
Quero louvar o vivente
Que aspira à morte no fogo

                         Na noite – em que te geraram,

                        Em que geraste – sentiste,
                        Se calma a luz que alumiava,
                        Um desconforto bem triste.

Não sofres ficar nas trevas

Onde a sombra se condensa.
E te fascina o desejo
De comunhão mais intensa.

                        Não te detêm as distâncias,

                        Ó mariposa! E nas tardes,
                        Ávida de luz e chama,
                        Voa para a luz em que ardes.

“Morre e transmuta-te”: enquanto

Não cumpres esse destino,
És sobre a terra sombria
Qual sombrio peregrino.

                        Como vem da cana o sumo

                        Que os paladares adoça,
                        Flua assim da minha pena,
                        Flua o amor o quanto possa.

 Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)

Tradução de Manuel Bandeira

Jules Bastien-Lepage, Joana d'Arc, 1879.

D’ARC

“A tortura é uma arte”

dizia o inquisidor.
“Enganais-vos!
É a arma do medo.
Pois eu não tenho medo do vosso medo.
Depois de a fogueira se apagar,
o meu coração palpitará ainda,
as vozes dos abençoados
repetirão o meu nome com veneração
e o vosso será esquecido com asco.
A fogueira extinguir-se-á,
eu partirei,
mas o vosso medo ficará.
É a única coisa que tendes de imortal;
só isso eu lamento...”

 Suy / São Ludovino, 8/11/1984

Sir John Everett Milais (1829-1896), Joana d'Arc, 1865.


Joana d'Arc interpretada por Sophia Baddeley, 1745-1786, actriz e cortesã inglesa, 
na parte I de Henrique VI, em 16/2/1776, retratada por J. Roberts.    

Ina Claire, 1893-1985, interpretando Joana d' Arc, depois de 1910.

Jean Auguste Dominique Ingres, Joana d'Arc na coroação de Carlos VII 
na catedral de Reims, 1854.

Hippolyte Paul Delaroche (1797-1856), Joana d'Arc interrogada pelo 
Cardeal de Winchester no cativeiro em 1431, 1824.

Alphonse Marie Mucha, 1860-1939, 
Maude Adams, 1872-1953, como Joana d'Arc, 1909.

Joana d'Arc, nascida a 6 (ou 16) de Janeiro de 1412 
e queimada em 30 de Maio de 1431.

Ilustração de Eugène Grasset, 1841-1917, Joana d'Arc, 
capa de uma das edições da obra de Mark Twain, 1894.

Mark Twain, 1835-1910, Saint Joan of Arc, Harper & Bros, New York, 1919.


D. McKay, Philadelphia, 1918.


This is the last existing print restored by © Lobster Films, 2018. Though the restored copy has the indication that the background music is performed by Eric Le Guen, the copy that I found is silent. I just added some musical themes that seem to fit the spirit of the movie. - Jeanne d'Arc aka Joan of Arc by Georges Mélliès, 1900

     The copyright of this movie and of the musical themes belong to the original authors and / or to those who represent them. / Os direitos de autor deste filme e dos temas musicais usados pertencem aos autores originais e /ou a quem os represente.



The Messenger - The Storyof Joan of Arc, directed by Luc Besson, 1999 – trailer. 



A FONTE

Ciclicamente me revisitam
os Cavaleiros de Hipocrene
trazendo sempre límpidos espelhos
nas frontes incomensuráveis.
Pousam em mim
o seu olhar de flecha imponderável
e jamais me questionam
sobre o que quer que seja.
Sabem de mim o suficiente,
exactamente o mesmo que eu sei deles.
Viemos do mesmo recanto do Hélicon,
crescemos sob a luz de Cassiopeia.
Reencontramo-nos através dos milénios
nas mesmas ilhas de espanto...
nesta esfera fecunda
em que a vida nos espera e abandona...

Suy / São Ludovino, (23/8/1990)

Caspar David Friedrich, 1774-1840, O Viajante Sobre o Mar de Brumas /
The Wanderer above the Sea of Fog, 1818.

«A demanda começa no cerne do eu»
Suy / São Ludovino

Jan Matejko (1838-1893), O Astrónomo Copérnico ou Conversa com Deus/ Astronomer Copernicus, or conversation with God, 1872. 



Iniciação ao Silêncio


Vieram de Antioquia,
Trouxeram o pergaminho dos tempos,
Ainda alvo e inquieto,
Enleado nos longos dedos ávidos.
Aqui há o longo tempo,
O extensíssimo,
Que as abelhas vão gastar a lê-lo,
Quando as abelhas souberem ler o tempo.

Na praça branca de calcário
Pronunciam perguntas intermináveis
Todas as encadeadas.
Cada uma tem sempre um nexo com outra.
É suposto que o conjunto de todas as formulações
Dessa pergunta única

Acabe por incluir todas as perguntas.
Não todas as possíveis,
Mas todas as possíveis num momento,
Todas as que surgiram nesse momento
E que, nesse momento, eram de facto
Todas as possíveis.
De cada vez, cada universo total de perguntas
É a reconstrução completa
Da partícula ao todo
E, no fim do momento, há o êxtase,
O nirvana ou o vazio.
E depois, de novo, o vortex,
Um poço profundo apinhado,
Forrado de pontos de interrogação.

Um velho chamado Sócrates
Está sentado lá no fundo,
Constantemente imerso.
De vez em quando eleva-se
numa nuvem azulada,
traz uma taça na mão
e volta a descer.

Outro velho está no cimo
Sentado no bordo de pedra.
Nunca ninguém se atreveu a dar-lhe um nome.
Fala pausada, serena e convictamente
A uma assembleia de jovens
De túnicas brancas:
São os aprendizes do silêncio.
Vão ouvindo o sublime
E aprendendo palavras subtis
Para um dia poderem dedicar-se
Plenamente ao silêncio
Entre o céu, as águas e os animais.

Ele sabe sempre onde tem os pés
Mas raramente sabe dos seus olhos.
Nas estrelas toca com a língua
E as palavras brilham e iludem
E a realidade, real de facto em cada palavra,
Multiplica-se
E chega a todas as dimensões
E confunde-se de tal forma com o indizível
Que uma vez dita, cada palavra
Se torna irrepetível.

E tudo isto que eu conto
Não passa de uma das infinitas formas
De pronunciar o silêncio,
A minha sensação do silêncio.
A totalidade do silêncio está povoada de tudo
E é excessiva para a vida vulgar.
Existem contudo vocações,
Devoções e momentos
Em que ser
É compreender, escutar
E expandir inconscientemente a alma...

Suy / São Ludovino, (4/7/1986)

HansThoma (1839-1924), Der Bienenfreund - O Apicultor, 1863.

The crab by William Adolphe Bouguereau, 1825-1905, 1869.


PROVERBIOS Y CANTARES
 
Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,

ingrávidos y gentiles
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar
súbitamente y quebrarse.

II
¿Para qué llamar caminos
a los surcos del azar?...
Todo el que camina anda,
como Jesús, sobre el mar. 

XXIX
Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar. 

XLIV 
Todo pasa y todo queda, 
pero lo nuestro es pasar,
pasar haciendo caminos,
caminos sobre la mar.

Antonio Machado (1875-1939)


Carl Spitzweg (1808-1885), Ein Besuch / Uma Visita, c. 1850.

Shall I compare thee to a summer's day?

Shall I compare thee to a summer's day?
Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:

Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance or nature's changing course untrimm'd;

But thy eternal summer shall not fade
Nor lose possession of that fair thou owest;
Nor shall Death brag thou wander'st in his shade,

When in eternal lines to time thou growest:
So long as men can breathe or eyes can see,
So long lives this and this gives life to thee.

William Shakespeare (1564-1616), Sonnets, Sonnet XVIII

Sir John Everett Millais (1829-1896), Eve of Saint Agnes.

L’Hermitage à Pontoise - The Hermitage at Pontoise by Camille Jacob Pissarro, 1867. 
Camille Jacob Pissarro, c.1830-1903, pintor francês de origem judaico-sefardita, oriundo de Trás-os-Montes, considerado o primeiro pintor impressionista.

Morning, from Peer Gynt by Edvard Grieg, 1843-1907.


     Algures no Mundo,
   alguém morre de fome
       em cada minuto.



Outros lugares:















São Ludovino - Slideshare presentations










Comentários