São
precisos muros para construir uma casa, uma ponte, um abrigo, um templo, uma
biblioteca, um museu ou um aqueduto. Olham-se esses muros e pensa-se como são
bons e como perduram através do tempo. Do fundo do coração vem uma gratidão
para com aqueles que os imaginaram, os desenharam e construíram. Não se pensa
logo em quem os governava, no medo ou na fome que terão sentido, nas feridas
nas mãos dos obreiros ou na vaidade contida do arquitecto. Pensa-se na singularidade
das linhas, na tonalidade da pedra, na longevidade dos materiais, no conforto
ou mais prosaicamente na utilidade quotidiana. Mesmo quando transportam em si
histórias épicas ou trágicas, esses muros não se impõem ao olhar como muros,
como fronteiras intransponíveis, como obstáculos a toda a liberdade e dignidade
humanas. São testemunhos de um tempo que perdurou no tempo.
Há depois outros muros, gigantescos ou minúsculos,
feitos de pedra, betão, aço ou arame farpado, que de imediato impõem a sua
verdadeira identidade. Existem apenas para separar, limitar, controlar o espaço
e as pessoas, de ambos os lados. Erguem-se a par de lanças ou balas, erguem-se
sobre o ódio e o medo, agigantam-se com o tempo, degeneram mas persistem. Esses muros
são o reflexo concreto de ideologias que se fecham sobre si mesmas e isolam os
que são afinal tão iguais. São mesmo intransponíveis, pelo menos até ao momento
em que a coragem de uns poucos ou o curso natural dos ciclos históricos
determine a queda ou a implosão, não das ideologias que construíram os muros,
mas dos regimes e modos de vida que determinaram.
O Muro de Berlim é apenas um desses muros.
É ou parece ser o mais abjecto de todos porque surgiu em plena Europa e porque
se ergueu após uma guerra mundial (Segunda Guerra Mundial, 1939-1945). E também
porque foi erguido precisamente no país (Alemanha) que provocou essa guerra e
que causou um maior número de vítimas, sobretudo nos campos de concentração,
onde a existência ou ausência de muros pouco diferença fez. Os muros que lá se
erguiam tinham os alicerces nas mentes e nas ideologias, eram legitimados por
dentro e matavam com o sangue frio de qualquer crença totalitária. Estalinismo
e Nazismo, idênticos nos métodos e nos fins, combateram-se mortiferamente
durante a guerra. O líder morreu, o Nazismo pereceu (mas deixou sementes); o Estalinismo continuou o seu percurso, com a eliminação sistemática de
dissidentes e o extermínio do seu próprio povo, nos gulags, nas prisões ou simplesmente através da fome. O Estalinismo,
com este ou outro nome, nunca terminou. Nenhuma república da ex-União Soviética
é hoje um país completamente democrático; eleições viciadas não contam e a
repressão, a censura e as oligarquias são incompatíveis com a democracia.
Inevitavelmente, após a Segunda Guerra,
formaram-se dois blocos: o de Leste, associado à ex-URSS e unido em torno do
Pacto de Varsóvia (assinado em 1955, o ano em que a Alemanha Ocidental se associou à
NATO, e renovado em 1985), e o do chamado Ocidente Democrático, liderado pelos
Estados Unidos e aliados, reunidos em torno da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (NATO), fundada em 1949. A NATO fora antecedida pelo Tratado de
Dunquerque (1947), um tratado de defesa mútua, assinado pelo Reino Unido e pela
França, para fazer frente à crescente ameaça da URSS cujo domínio alastrava por
toda a Europa de Leste e por outras zonas do mundo.
O Movimento dos Não Alinhados, criado em
1961, o ano em que se inicia a construção do Muro de Berlim, nunca foi
completamente “Não Alinhado”,
assumindo muitas vezes o partido da URSS, como aconteceu com Cuba e outros
países em que se instalaram “repúblicas revolucionárias”.
A divisão da Alemanha em duas (República
Democrática Alemã, dominada pela URSS e República Federal Alemã, um regime democrático
e aberto a todo o mundo) após a Segunda Guerra Mundial começa por ser uma
estratégia de enfraquecimento do país que causara a guerra, a própria Alemanha.
Mas acaba por ser um modo de acentuar as evidentes diferenças entre as orientações
políticas e os interesses dos países vencedores: os Aliados (EUA, Reino Unido
França e outros países democráticos), que queriam reconstruir uma Alemanha livre,
e a URSS que queria alargar o seu domínio ideológico e territorial. O Muro de
Berlim, construído entre 1961 e 1963 pela Alemanha Oriental, dominada pela URSS,
consumou essas diferenças e isolou o Leste da Europa do chamado mundo livre. Apesar
da desintegração da URSS, as diferenças persistem e a incapacidade de construir
regimes democráticos nesses territórios continua a causar conflitos e vítimas.
O opressor continua a ser o Estado, centralizado e dependente de oligarquias
corruptas e insaciáveis; os inimigos continuam a ser os dissidentes, os que
pensam de modo diferente e querem abrir as portas à democracia.
O Muro de Berlim trouxe a Guerra Fria e os
filmes de James Bond (o primeiro filme, Dr.
No, é de 1962). Nunca foi uma guerra em campo aberto. Foi uma guerra
travada nos meandros da diplomacia, mas sobretudo nas zonas mais sombrias da
espionagem, da manipulação de informação, do apoio militar dado às forças ditas
“revolucionárias” pela URSS ou às forças ditas “democráticas” pelos países do
Ocidente, sobretudo pelos EUA. As acusações mútuas de “intervencionismo” e
ingerência nos assuntos internos de vários países tinham fundamento de ambos os
lados, mas o confronto armado nunca foi directo. Insinuava-se, acusava-se,
faziam-se demonstrações de força com uma escalada na produção de armas de
destruição maciça. O botão vermelho, que o cinema tornou famoso e assustador,
esteve perto de ser premido e o fantasma da guerra real pairou durante décadas
sobre o mundo. A Guerra Fria era um constante prenúncio de guerra real, uma
guerra de bastidores em que é difícil distinguir o que é do que parece. A Guerra
Fria exigia isso: insinuar constantemente e agir subrepticiamente.
O Muro de Berlim caiu em Novembro de 1989,
em grande parte devido à abertura da URSS durante a presidência de Gorbatchev
(a perestroika e a glasnot). Foi um tempo de alívio e
esperança. Até os muros mais intransponíveis podiam cair. Essa era a mensagem
fundamental. Essa é ainda uma mensagem fundamental. No entanto, os muros
continuam a erguer-se, por toda a parte. Muros de muitas espécies e com
consequências diversas. Alguns parecem até invisíveis, mas estão lá, aqui, em
toda a parte.
Os migrantes que, no presente, tentam
entrar na Europa também esbarram com diversos muros. A Europa não pode
naturalmente receber todos os migrantes do mundo. Pode apenas demonstrar aos
que vêm que a vida pode ser melhor ou pior em qualquer lugar do mundo; tudo
depende de quem governa e de quem é governado em cada lugar. O grande desafio é
mostrar o caminho para a democratização e pacificação dos países de onde vêm os
migrantes. Ninguém foge de um país democrático, que vive em paz e onde cada um
tem o essencial. Mas a árdua tarefa de derrubar regimes totalitários,
extremistas e corruptos tem de caber aos cidadãos desses países, ou viveríamos
numa permanente guerra entre países democráticos e anti-democráticos. Nenhum ditador
consegue construir muros sem obreiros, cegos e obedientes. Nenhum corrupto
sobrevive sem um rebanho de corrompidos, mais ou menos ambiciosos.
Segue-se uma sequência de imagens que
documenta a história do Muro de Berlim e das suas vítimas, desde a sua
construção (1961) à queda (1989).
A primeira vítimafatal foi o jovem Peter Fechter (1944-1962),
Algumas fontes indicam que a
primeira vítima alvejada pela guarda fronteiriça da RDA foi Günter Litwin, em
24 de Agosto de 1961, mas não existe informação precisa sobre esse caso.
Um guarda fronteiriço da RDA recolhe o corpo de Peter Fechter.
Atingido pelos disparos da guarda de fronteiras da RDA, Fechter agonizou durante 50 minutos na chamada «Terra de Ninguém». Os guardas que o alvejaram observaram-no em agonia, mas não lhe prestaram qualquer auxílio. Fechter tinha apenas 18 anos e era um simples trabalhador da construção civil que tentou fugir com um colega, Helmut Kulbeik. Este último conseguiu saltar para o lado ocidental. Fechter foi a primeira vítima de disparos, mas não foi exactamante a primeira vítima do muro.
A primeira vítima foi Ida Siekmann (1902-1961), que morreu em consequência
de uma queda quando tentava saltar de uma janela da sua casa
directamente para o outro lado.
A contagem das vítimas oficiais varia entre 136 e 370, tudo depende dos critérios usados. O critério mais estranho é o que considera que parte das vítimas mortais eram suicidas que se colocaram premeditadamente em frente dos guardas da Alemanha Oriental para serem alvejados... Para além das vítimas oficiais, houve centenas de outras cujas histórias nunca foram cabalmente apuradas e contadas.
Edifício, na Bernauer Straße, n.º 48, de onde saltou do quarto andar Ida Siekmann.
As janelas foram emparedadas para evitar outras tentativas de fuga, não outras mortes.
Ida Siekmann vivia na Bernauer Straße, n.º 48, mesmo em frente do muro que atravessava essa rua. Atou lençóis e cobertores para conseguir descer do outro lado. Mas o comprimento da escada de tecido era insuficiente e teve de saltar, caindo do lado oriental. Saltou no dia 22 de Agosto de 1961, o dia do seu aniversário. Morreu cinco dias depois, a 27 de Agosto, em consequência dos ferimentos que não foram devidamente tratados. Para evitar este tipo de fugas, o governo da RDA expropriou os prédios junto ao muro, mandou emparedar portas e janelas e proibiu o acesso aos telhados. Posteriormente, mandou demolir todos os prédios e construiu um segundo muro (1965) do lado oriental, ficando entre os dois muros a chamada "Faixa da Morte" ("Death Strip") onde foram abatidos muitos fugitivos.
Chris Gueffroy e um amigo, Gaudian,
tentaram saltar o muro convencidos de que a ordem de atirar a matar sobre
qualquer pessoa que tentasse atravessar a fronteira para o lado ocidental tinha
sido suspensa devido à visita do primeiro ministro da Suécia à Alemanha Oriental
(RDA). A notícia
era falsa. Chris Gueffroy foi abatido
com dois tiros e Gaudian, que ficou gravemente ferido mas sobreviveu, foi
detido e condenado a três anos de prisão.
A última vítima foi Winfried
Freudenberg (1956-1989), não em consequência
de um disparo mas da queda de um
balão de ar quente improvisado.
No dia 8 de Março de 1989, W. Freudenberg e a sua
mulher, Sabine, tentaram montar um balão de ar quente com a intenção de fugir
para o lado ocidental. Alguém observou a operação e comunicou à polícia
(Exército Nacional do Povo) que, de imediato, se deslocou para o local. Quando a
polícia se aproximava, o balão ainda não estava suficientemente cheio para
suportar o peso de duas pessoas. Em desespero, tomaram a decisão de ir um
apenas, Winfried. O balão subiu e afastou-se para o lado ocidental. A polícia
não disparou com receio de provocar uma explosão e o balão prosseguiu o voo.
Winfried acabou por cair já no lado ocidental, pois o balão nem sequer tinha um
cesto, apenas um pequeno suporte. O próprio balão acabaria por cair depois
sobre as árvores de uma zona habitada. Sabine regressou a casa e foi
imediatamente detida pela STASI (polícia política).
Hans
Konrad Schumann, 1942-1998, ‘Leap into Freedom’, photograph by Peter Leibing, 1961.
Hans Konrad Schumann era um jovem guarda fronteiriço de 19 anos quando se apercebeu que não conseguiria matar os seus concidadãos que tentassem atravessar a fronteira. Fugiu para não matar, provavelmente o motivo mais altruísta para fugir. Apesar de ter vivido o resto da vida do lado ocidental, em 1989, após a queda do muro, afirmou que só nessa altura sentiu que começara a ser livre. Mas mesmo após a reunificação da Alemanha continuou a sentir que não podia voltar "ao outro lado". O medo de represálias e de ser condenado pela fuga, incluindo pela própria família, mantinha-se. Caiu em depressão profunda e acabou por suicidar-se em 1998, 11 anos após a queda do muro. A "Cortina de Ferro" caiu mas deixou feridas incuráveis.
Túnel 29, construído logo em 1962 (entre Maio e Setembro)
para permitir a fuga
da Alemanha de Leste para a Alemanha Ocidental.
O nome deve-se ao facto de 29 pessoas (homens, mulheres e crianças) terem conseguido escapar através deste túnel. Foram construídos dezenas de túneis, nem todos bem sucedidos ou porque foram descobertos pelos informadores e agentes da STASI, infiltrados também na própria Alemanha Ocidental, ou porque não conseguiram ter uma estrutura suficientemente segura. Aqueles que permitiram a fuga de um maior número de pessoas foram o Túnel 29 e o Túnel 57.
Localização do Túnel 29 que se estendia por baixo do Muro de Berlim.
Construído entre uma fábrica de palhinhas de refresco
na Bernauer Straße, no lado
ocidental, e uma adega na cave de um prédio de habitação, no lado oriental (o
n.º 7 da Schönholzer Straße), o túnel tinha cerca de 135 metros de comprimento,
cerca de 4,5 metros de profundidade, cerca de 91 cm de altura e cerca de 91 cm
de largura. Foi construído durante cerca de 4 meses entre 9 de Maio e 14 de Setembro
de 1962. No dia 14 de Setembro, atravessaram o túnel de leste para oeste 26
pessoas, incluindo crianças de colo. Os restantes 3 eram elementos da equipa de algumas dezenas que escavara o túnel, incluindo Joachim Rudolph.
Joachim e Eveline Rudolph à
porta do n.º 7 da Schönholzer Straße,
sob o qual o túnel chegava à superfície
do lado oriental.
Joachim
vivia na Alemanha de Leste e conseguiu fugir para o lado ocidental em 1961 quando o muro já estava a ser construído. Durante 4 meses do Verão de 62,
conjuntamente com um grupo de amigos e colegas, também estudantes universitários de Engenharia, construiu o túnel que permitiria
salvar 29 pessoas. Voltou diversas vezes ao outro lado, sob a terra, para
permitir a fuga dessas pessoas. A construção do túnel foi parcialmente
financiada pela cadeia de televisão NBC, que pagou para lhe ser permitido filmar
toda a construção do túnel. O governo americano proibiu a publicação do
documentário para não “irritar” a União Soviética (durante a Crise dos Mísseis em Cuba) e para evitar que os fugitivos
fossem mortos. O documentário acabou por ser transmitido pela primeira vez a 10 de Dezembro de 1962. É um documentário extraordinário que merece ser visto.
No dia 14 de Setembro de 1962, Eveline Schmidt
foi a primeira a atravessar o túnel para a liberdade.
Tunnel 29 - «Caked
in mud, Evi and Peter Schmidt comfort Annet.
East German border guards (VoPos)
were under orders to shoot all escapes.»
Como a vida tem acasos e coincidências extraordinárias, Joachim acabou por casar, dez anos mais tarde com a primeira pessoa a passar pelo túnel, Eveline Schmidt, então casada com Peter Schmidt, que também atravessou o túnel e de quem se divorciou passados alguns anos, e mãe da pequena Annette. Na última travessia de regresso ao lado ocidental, Joachim encontrou uns sapatos de criança e guardou-os. Anos mais tarde descobriu que pertenciam a Annette.
Eveline Schmidt, depois Rudolph, e a filha Annette,
Os sapatos de Annette encontrados no Túnel 29 por Joachim Rudolph.
O outro acaso é a própria motivação para escavar o túnel. Dois estudantes de Arte italianos, Mimmo e Gigi, que também tinham fugido da Alemanha de Leste, amigos de Joachim e do casal Schmidt (que permanecia no lado oriental) pediram-lhe ajuda para escavar um túnel por ser estudante de Engenharia Civil. Joachim acabou por concordar e recrutou outros ajudantes entre os colegas de engenharia em quem pensava poder confiar.
Confiar em alguém era sempre um risco, mesmo do lado ocidental, onde a STASI tinha recrutado centenas de informadores ou, simplesmente, tinha-os enviado para lá como supostos refugiados. Dentro da própria Alemanha Oriental, a STASI tinha centenas de milhar de informadores. Foram, aliás, esses informadores ou delatores os principais responsáveis pela captura e morte de milhares de pessoas.
Ulrich Pfeifer stands in
‘tunnel 71’ during the opening ceremony, 2011.
O Túnel 1971 (ou 71) não foi bem-sucedido, mas simboliza bem a persistência dos que nunca desistiram de lutar contra o totalitarismo ou simplesmente de devolver à liberdade os seus familiares e amigos.
Ulrich Pfeifer, que também era Engenheiro Civil, foi um dos escavadores de túneis mais activos e persistentes. Participou na construção de 4 túneis, incluindo o Túnel 29. Os outros três falharam os seus objectivos por diversas razões (foram descobertos antes de poderem ser usados, inundados pelas águas subterrâneas ou desembocaram no local errado). Mesmo assim, U. Pfeifer nunca desistiu de ajudar os seus concidadãos a fugir e hoje lamenta a nostalgia de alguns alemães orientais e a ignorância de muitos jovens.
Ulrich Pfeifer conseguiu fugir da Alemanha Oriental, com um grupo de cinco amigos, logo em Setembro de 1961, através da rede de esgotos. Havia um plano para que dias depois um outro grupo atravessasse do mesmo modo, incluindo a namorada de Ulrich. Mas a STASI descobriu o modo de fuga do primeiro grupo, mandou selar a entrada dos esgotos e ficou de guarda, tendo prendido todos os elementos do segundo grupo, incluindo a namorada de Ulrich, que foi condenada a sete anos de prisão, embora a pena tenha sido posteriormente reduzida para três anos. Outros amigos de Ulrich foram torturados e tiveram penas mais pesadas. Ulrich só voltou a ver a namorada… 27 anos mais tarde.
O Túnel 71 foi construído durante dois meses do Inverno de 1970-1971, por uma equipa de 17 dedicados escavadores. Tinha cerca de 110 metros de comprimento e cerca de 9 metros de profundidade. A STASI descobriu através de ultrassons que o túnel estava a ser construído. Esperou que o túnel chegasse à zona oriental de Berlim, e quando já só faltavam 3 metros para ser concluído, interveio, detendo todos os que se encontravam no interior.
Um túnel falhado não deve ser um túnel esquecido. A associação Berlin Unterwelten (Berlin Underworlds – Mundos Subterrâneos de Berlim) tenta desde 1997 preservar a memória daqueles tempos negros de medo e horror, mas também de perseverança e ousadia. Uma das formas de o fazer consiste em reconstruir parte dos túneis e mostrá-los ao público.
«The Berlin Underworlds museum opens the escape tunnel to visitors.»
«Hasso Herschel, shown in this undated photo, escaped from East Germany in 1961 by using a borrowed passport. Over the next decade, he helped more than 1,000 people flee by smuggling them through tunnels and hiding them in cars.»
Hasso Herschel, outro dos fugitivos da Alemanha Oriental que participou na construção do Túnel 29, foi capturado e preso várias vezes pela STASI, mas nunca desistiu. Só ele conseguiu ajudar cerca de 1000 pessoas a fugir para o lado ocidental das mais diversas formas. Também foi ele que estabeleceu o contrato com a NBC para filmar o documentário, em tempo real, sobre a construção do Túnel 29. A maior parte dos que escavavam túneis ou ajudavam pessoas a fugir de outros modos faziam-no generosamente, contraindo dívidas e correndo constante risco de vida. O contrato com a NBC teve sobretudo o objectivo de financiar a construção do túnel e outras fugas.
Uma das crianças que atravessaram o Túnel 29, Astrid Nora Moeller, era sobrinha de Hasso Herschel. Astrid tornou-se cineasta e produziu o documentário Der Fluchthelfer - Ways to Freedom (2011), sobre as actividades desenvolvidas pelo tio, enquanto elemento fundamental no planeamento e execução de cerca de um milhar de fugas bem sucedidas. Em 2012, o governo da República Federal Alemã condecorou-o com a Cruz de Mérito pelos serviços prestados aos seus concidadãos.
«Hasso Herschel, who now lives on a farm, is shown near his house north of Berlin», 2014.
Documentário alemão sem legendas sobre o Túnel 29.
«August 1961:
Die DDR schließt die Sektorengrenzen in Berlin, die Stadt ist geteilt. Ein Jahr
später gelingt einer Gruppe von 29 Menschen aus der DDR die Flucht durch einen
135 Meter langen Tunnel in den Westen.»
Túnel da
liberdade
Agosto de 1961: A RDA fecha as fronteiras do sector oriental de Berlim, a cidade é dividida. Um ano depois, um grupo de 29 pessoas da RDA
conseguiu escapar por um túnel de 135 metros construído a partir da zona ocidental.
Tunnel 29 by Helena Merriman,
2021.
TÚNEL 57
Túnel 57, construído entre Abril e Outubro de 1964.
Das dezenas de túneis construídos (cerca de 75), aquele que permitiu a fuga de um maior número de pessoas foi o Túnel 57, assim designado por ter sido atravessado por 57 pessoas ao longo de duas noites (31 mulheres, 23 homens e 3 crianças). A fuga ocorreu nas noites de 3 e 4 de Outubro de 1964; 28 pessoas atravessaram na primeira noite e 29 na segunda. Cerca de 30 escavaram o túnel entre Abril e o início de Outubro de 1964. A maioria eram estudantes universitários de Engenharia, Medicina, Filosofia e de outras áreas, que tinham previamente fugido para a Alemanha Ocidental e queriam ajudar familiares e amigos a fugirem também. Alguns destes estudantes (e alguns dos que já tinham participado na construção do Túnel 29) continuaram a escavar túneis ou a ajudar pessoas a atravessar a fronteira de diversas maneiras. Ralph Kabisch foi um deles. Joachim Neumann viria mais tarde a participar na construção de um túnel de natureza bem diversa, o Túnel do Canal da Mancha. Outro dos participantes iria ainda mais longe; Reinhard Furrer tornou-se Físico, professor, cientista e astronauta. Participou na primeira missão do Spacelab, durante a nona e última viagem bem sucedida do Space Shuttle Challenger (1985).
Joachim Neumann (à esquerda, 2019) e Ralph Kabisch (à direita, 2015),
eram em 1962 estudantes universitários de Engenharia e foram os principais mentores
do projecto do Túnel 57. Aqui, Joachim está no exterior e Ralph no interior
O Túnel 57 estendia-se por uma distância de 145 metros a cerca de 12 metros de profundidade entre a cave de uma velha padaria localizada no n.º 97 da Bernauer Straße, em Berlim ocidental, e o n.º 55 da Strelitzer Straße, em Berlim oriental. Até ao final da escavação, Joachim Neumann e Ralph Kabisch, estudantes universitários de Engenharia e principais mentores do projecto, que tinham fugido da Alemanha Oriental, nem sequer sabiam onde terminaria o túnel. Com muita sorte e um grande alívio, verificaram que tinham chegado a uma velha casota de madeira (uma espécie de casa de banho exterior) localizada atrás de um prédio de habitação.
Enquanto decorria a fuga, um vigilante deitado sobre um telhado do lado ocidental, observava as movimentações na rua junto ao n.º 55 da Strelitzer Straße. Um posto da polícia ficava a poucos metros do local. Se houvesse perigo, o vigilante faria um sinal de luzes (todas as fugas decorreram durante a noite).
Por sua vez, aqueles que pretendiam escapar tinham de proferir a senha, a palavra Tóquio, antes de acederem ao túnel. A operação de “salvamento” poderia ter-se prolongado por outras noites e mais pessoas poderiam ter atravessado o túnel. Mas a eterna questão da confiança veio demonstrar-se novamente decisiva. Poderia haver um colaboracionista ou um informador, até dentro da própria família. Um dos candidatos a fugir avisou a STASI e a guarda da fronteira, também controlada pela STASI, como quase tudo. A guarda aproximou-se rapidamente e descobriu a saída/entrada do túnel. Um dos estudantes, Christian, que guardava o túnel e ajudava as pessoas a descerem os 12 metros de profundidade disparou um tiro de revólver; os guardas fronteiriços dispararam rajadas de metralhadora. Um guarda fronteiriço, Egon Schultz, caiu por terra. Durante décadas, o governo da RDA apresentou-o como mártir e vítima dos “traidores radicais” que tinham fugido. Christian morreu pensando que tinha sido ele a abater o guarda. Mas após a queda do muro a verdade foi revelada. O relatório da autópsia, que fora mantido secreto pela STASI, revelava que Egon Schultz tinha morrido em consequência de “fogo amigável”. Onze balas de metralhadora disparadas a curta distância tinham-no atingido no peito. O verdadeiro autor dos disparos nunca se denunciou nem podia fazê-lo para preservar a versão oficial.
Em resposta a esta acusação, os jovens estudantes, enviaram para o outro lado uma carta atada a um balão. Eis um excerto:
«O verdadeiro responsável pelo homicídio é a polícia secreta do governo da Alemanha Oriental. O verdadeiro assassino é o sistema que lidou com a fuga maciça dos seus cidadãos, não eliminando a causa do problema, mas construindo um MURO e ordenando que Alemães matassem Alemães.»
Os números conhecidos indicam que cerca de 300 pessoas conseguiram fugir da Alemanha de Leste através de túneis. De muitas outras formas, fugiram milhares, ainda não totalmente contabilizados. Sabe-se sim que só entre a madrugada do dia 12 e a madrugada do dia 13 de Agosto de 1961 (dia em que começou a construção do muro sem aviso prévio) cerca de 2400 pessoas conseguiram ainda atravessar a fronteira de leste para oeste tendo sido acolhidos no centro de refugiados de Berlin-Marienfelde. Outros centros receberam muitos outros milhares.
Tunnel 57 - A man and a child escape through the tunnel, 1964
Logo que a URSS, após o final da Segunda Guerra Mundial, começou a controlar a região oriental da Alemanha, começou a fuga de cidadãos alemães para a região ocidental. Até 1952, era relativamente fácil atravessar a fronteira. Só entre 1945 e 1961, terão fugido cerca de 3,5 milhões de pessoas. Foi, em grande medida, para evitar a continuação deste êxodo e a “fuga de cérebros” que o governo da RDA (controlado pela URSS) decidiu construir o Muro de Berlim em 1961. Quem fugia eram sobretudo os jovens mais promissores, estudantes universitários que não se resignavam a viver num lugar onde não havia qualquer liberdade e tudo era controlado pelo Estado. Eram prisioneiros, não cidadãos.
No total, terão fugido para a Alemanha Ocidental cerca de 4 milhões de pessoas, o que significa que, após a construção do muro, ainda conseguiram fugir cerca de meio milhão de pessoas. Calcula-se que em Agosto de 1961, até à construção do muro, cerca de 2000 alemães atravessavam a fronteira diariamente rumo à Alemanha livre.
Ao mesmo tempo que alguns conseguiam fugir, outros eram presos, torturados e, em muitos casos, eliminados. Só na segunda metade de 1961, cerca de 3000 pessoas foram presas apenas por escolherem viver em liberdade. No total, mais de 350 000 pessoas foram presas pela STASI apenas por motivos políticos.
Berlin, October 1961. Man carrying cross on street, Berlin, West Germany.
Foram usados os mais diversos modos de fuga, uns bem sucedidos, outros fracassados. Eis alguns deles:
Um submarino construído por Ulrich Kujat para escapar sob as águas.
Ulrich Kujat pensou que poderia fugir num pequeno submarino que foi construindo secretamente na sua garagem. Mas a escassez dos materiais e a dificuldade em adquiri-los sem levantar suspeitas atrasaram o projecto. Provavelmente em consequência de uma denúncia, a STASI descobriu o submarino antes de estar concluído e Ulrich Kujat acabou na prisão.
Breakthrough Locomotive 234, 1963 - Durchbruch Lok 234,
directed by Frank
Wisbar, 1963.
Este filme apresenta uma reconstituição adaptada da história verídica de Harry Deterling, um maquinista da Alemanha de Leste, que no dia 5 de Dezembro de 1961 conduziu uma locomotiva a alta velocidade em direcção à zona ocidental de Berlim, numa altura em que o muro ainda só estava parcialmente construído. Com ele iam 32 pessoas; 24 delas eram familiares e amigos, os restantes eram passageiros que desconheciam completamente o plano. O governo da RDA cortou imediatamente todas as linhas que ligavam as duas Alemanhas de modo a não permitir que a proeza se repetisse.
With the Wind to the West - Night Crossing,directed by Delbert Mann, 1982.
Conta a história verídica de duas
famílias alemãs que no Verão de 1979
Christmas trees at the border by the Brandenburg Gate, seen from West Berlin, December 17, 1961.
Two years after the construction of the Berlin Wall, President Kennedy delivers his famous "I am a Berliner" ("Ich bin ein Berliner") speech on June 26, 1963,in front of the city hall in West Berlin.
Muro de Berlim - Muro dominó. Instalação no local onde antes existia o muro.
Simbolicamente, este muro-dominó foi construído para ser derrubado colectivamente.
«People walk along the domino pieces near the Brandenburg Gate in Berlin November 7, 2009. As the highlight of a 5-million euro celebration marking the 20th anniversary of the fall of the Berlin Wall on November 9, a 1.5-km (one-mile) long segment of the Wall will stand for two days along its original route in front of the Brandenburg Gate to the Potsdamer Platz. The row of 1,000 20 kg dominos standing 1.5 metres apart, painted in bright colours by school children and rising 2.5 metres high, will be toppled at the end of a gala ceremony as a symbolic tribute to the collapse of the Wall 20 years earlier. Van Dyk, who was born in the former GDR, has composed a song for the event.
Fall of Berlin Wall - The East Side Gallery memorial in Berlin-Friedrichshain is a permanent open-air gallery on the longest surviving section of the Berlin Wall.
Joy Kogawa, poet and novelist, was born in Vancouver, British Columbia. She was sent with her family to an internment camp for
Japanese-Canadians during World War II.
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